Um relato singular sobre a dança cigana


Quando ouvimos as palavras “dança cigana” muita coisa pode vir a nossa mente, tais como expressão de uma cultura, uma atividade física prazerosa, uma forma de expressar a arte, alegria, beleza, entre outras. Mas a dança cigana é muito mais complexa do que se pode imaginar, a dança cigana é um universo imenso a ser descoberto.
Ao contrário de muitas outras, a dança cigana não é simplesmente uma forma de arte em que basta alguns meses e alguma inspiração para exercê-la, ela carrega também toda uma etnia. Alguém até poderia questionar o que uma dança étnica teria de tão especial, afinal há dança do ventre, samba, tango e muitas outras danças que representam regiões do mundo ou países. Mas é aí que entra o diferencial da dança cigana, pois a mesma representa uma das etnias mais diversificadas do mundo. Uma etnia que tem migrado há centenas de anos desde a Índia até as mais variadas partes do mundo, entre as quais Egito, Turquia, praticamente toda a Europa e Américas.
É exatamente essa migração de caráter global que tornou a dança cigana tão complexa e vasta. E por que essa variação? É quase uma obviedade perceber que se algo gira o mundo tendo contato com as mais variadas culturas e épocas, esse algo tende a receber uma infinidade de influências, o que tem como consequência certa a variabilidade. É claro também que essa mesma mistura constante produz também modificações naquilo que esse ou aquele grupo tem por tradição, o que inevitavelmente provoca uma série de conflitos entre grupos ciganos de partes distintas e até em clãs da mesma região geográfica.
Segundo Daniela Llopardo Castro (2007 p. 121-130)
O ser humano, com a influência desta sociedade, tende a racionalizar movimentos que são retirados do local aonde ocorrem enquanto fenômeno.
A hereditariedade dos conhecimentos orais do povo cigano é outro fator facilitador para quem já é parte integrante da etnia, mas sem dúvida é fator complicador para aqueles que buscam compreender a cultura de forma definitiva. Uma cultura é um mecanismo vivo em constante mutação e a tradição busca exatamente evitar que essa transformação não deturpe a cultura por completo a ponto dela se tornar irreconhecível em determinado momento.
Outro fator muito importante quando falamos em dança cigana é a busca entre o equilíbrio entre a técnica pura e simples dos movimentos conforme a região representada por aquele clã e o sentimento inserido naquele momento de expressão. Um lamento cigano requer uma compreensão profunda da motivação interna que aquela pessoa busca demonstrar na dança. Deve-se observar o contexto em que se está inserida aquela apresentação. Deve-se compreender no olhar, no movimento, na leveza, na sinceridade que aquela dança pretende explicar através do que um leigo observaria apenas como uma dança, mas um cigano entenderia não com os olhos, mas com o coração.
A complexidade advinda da diversidade das muitas variações conforme a região, aliada ao eterno choque entre a importância da técnica e a necessidade da emoção, inerente ao ser humano, um ser que entende o conhecimento constante como sua mola mestra, faz com que a dança cigana seja uma dança de sentimentos nômades dentro da própria pessoa que busca aprendê-la. É comum para quem mergulha na cultura trazida pela dança cigana uma inquietação, um questionamento salutar sobre se aquilo que acabou de aprender é certo ou errado, até o momento que descobre que o certo e errado em cultura cigana até existe, mas é extremamente sutil dependendo do clã que pratica esta ou aquela forma de expressão.
Questionar e buscar entender a dança cigana requer muito estudo, muita pesquisa e fontes confiáveis, pois não se trata de uma mercadoria pronta a ser reproduzida como algo completamente artificial. É a expressão mais real e sincera de todo um povo em todas as suas particularidades. Uma expressão única por sua complexidade desconhecida da maior parte da população, talvez pelo isolamento geográfico, talvez pelo preconceito sofrido por um dos povos mais perseguidos do mundo. A verdade é que até mesmo a tentativa de se explanar sobre a dança cigana seja uma tarefa inglória pela sua grandeza, porém é exatamente no estudo dessa magnífica cultura que aprendemos a sobreviver à dor extrema da indiferença humana e que como uma grande mulher cigana, viver a vida com a cabeça erguida e um sorriso no rosto pela dádiva da vida. 

Texto escrito para o meu TCC no curso de aperfeiçoamento em danças ciganas. Autoria: Alessandra Tubbs e revisor: Fábio Tubbs

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